domingo, 5 de agosto de 2007

CAMIÑO DE SANTIAGO




Dia 3 de Agosto fez um ano que iniciei um novo caminho na minha vida. O caminho de Santiago de Compostela, que ainda hoje se faz dentro de mim.
"El camiño se hace caminando" a pé por entre montanhas, estradas, montes e vales, guiados sempre pelo símbolo de Santiago: A vieira pintada a amarelo.

O Caminho francês fiz eu, iniciando em St. Jean Piede de Port até Ponte de la Reina, retomando em Sárria com destino Santiago de Compostela. Com muita pena minha, não dispunha de um mês inteiro para fazer os 800km.
Estados de alma e corpo replectos de amor, compaixão, fraternidade, amizade, partilha, dor e cansaço fisico, delírio, espiritualidade, crença, alegria, emoção...
Durante aqueles dias, em toda a plenitude possivel de existir, senti o elo de união entre o meu corpo, energia e alma, que formam o meu ser.
Pela primeira vez na vida soube o que era superar o cansaço físico. A intervenção directa de Deus na minha alma, conduziu-me sempre até ao próximo abrigo.
No 4º dia, ao fim de 5 horas debaixo de sol intenso, sempre a caminhar, o calor que emergia do solo era tão intenso, que a planta dos pés latejava de dor, dificultando o trajecto que ainda tinha de percorrer. O cansaço físico era tremendo, dificil de se suportar. Uns metros mais à frente, num cansaço físico extremo, encontrei-me sozinha na estrada sem ver vivalma. Os meus companheiros de caminhada tinham desaparecedo. A estrada de terra à minha frente parecia interminável. Atrás de mim, levantavam-se ondas de calor que desfocavam o caminho. Por momentos pensei "morri e entrei noutro mundo". Continuando a caminhar lentamente sem saber o que me esperava, ouço uma voz familiar ao longe chamando por mim. Regrido no tempo percebendo que ainda estava neste mundo que conhecemos. Lembro-me de ter esboçado um sorriso que se desfez de imediacto.
-"Ana....onde é que já vais?....volta para trás!" gritou o meu companheiro ao fundo.
«Voltar para trás? Pensei eu... já andei isto tudo e custou-me tanto...»
Mas lá voltei, pé ante pé, até junto de uma clareira replecta de luz. Estavam a preparar o almoço. Enquanto comia devagar, observava a vegetação à minha volta. Tudo parecia iluminado e com uma luz divina. As diversas tonalidades de verde brilhavam intensamente. Tinha a sensação de que tinha chegado ao paraiso. Adormeci de cansaço.
Cerca de quinze minutos mais tarde fui acordada pelos meus companheiros. Não podíamos perder muito tempo pois muitos km haviam a se fazer.
Revigorada, caminhei estrada fora, conversando, rindo e comentando o quanto era belo o caminho e as pessoas que, tal como nós, ali passavam. O paraíso, perpectuava-se estrada fora até Santiago. Muitos km e longos dias pela frente se avistavam. Tinha de conseguir. Tínhamos de conseguir.
6L de água bebidos durante o dia, amendoins com sal e açúcar, barras de leite condensado, fruta, e proteínas ajudavam a dar mais um passo sem delírio, mantendo os pés na terra.
A natureza parecia cada vez mais bela... De autênticos desertos, passávamos para bosques encantados, que à noite pareciam-se tomar formas humanas.
Em transe... todos os últimos 8 km de cada dia eram feitos em estado de transe. Seguia em frente, sozinha, entoando mantras, reprogramando o corpo e pedindo a Deus que me ajudasse a avançar com mais um pé. Aqueles momentos eram mágicos. Parecia que era levada num portal do tempo. Quando voltava ao meu estado desperto, percebia que o próximo albergue já estava perto. No fim de cada percurso, agradecia a Deus por me ter acompanhado sempre.
Chegando ao albergue, que nem sempre tinha vagas, só desejava ter uma cama para dormir e um duche para tomar.
Nem sempre foi possível dormir em camas. O chão e sofás duros serviam perfeitamente para descansar o corpo dorido. A alma, esta no dia seguinte estava fresca e pronta para enfrentar mais 30km. O corpo, no inicio de cada dia doía um pouco, mas rapidamente se restabelecia.
Mas o melhor do Caminho não é apenas isto.
São as dádivas humanas que se estabelecem.
Desde o primeiro dia, damos o que temos sem nos pedirem, dãos-nos o que têm sem estarmos à espera e sem pedir nada em troca.
O objectivo não é chegar ao fim da viagem, a Santiago, e receber a Apostilha. O objectivo da viagem é caminho espiritual que se faz.
É saber olhar para o outro como irmão, igual a nós, com os mesmos direitos.
Não há estatutos sociais, idades, sexos.
Há apenas partilha, fraternidade, compaixão e muita humildade
Isso é o mais importante.
Este caminho foi e será sempre uma viagem interior para a eternidade.
Se Deus quizer, estarei lá novamente para o ano que vem. Dessa vez, para fazer os 800Km com uma semana de voluntariado num albergue de peregrinos.
Desejo que façamos sempre “un bon camiño”.

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