quarta-feira, 31 de outubro de 2007

76 ANOS

Olho-me ao espelho
Vejo o meu rosto envelhecido
Desvio o olhar pois não reconheço esta imagem
Assemelha-se a mim
Mas quem é esta mulher que se encontra aqui, diante de mim, de lábios finos e de olhos descaídos?
Quem é esta mulher que se quer parecer comigo e que insiste em permanecer à minha frente?
O que se passa?
Sou eu?
Mas eu não me vejo assim!
Eu não sou assim!
Começo a assustar-me.
Será que os outros me vêm assim?
Dizem e pensam que estou velha?
Mas o que é ser velha?
Escrevo e choro pois não me sinto compreendida.
Envelheço aos olhos dos outros, menos aos meus
O que se passa?
Já não me aceitam
Sinto um vazio tremendo dentro de mim.
Hoje, despedi-me dos meus colegas e companheiros de 40 anos de trabalho.
Fizeram-me uma grande festa, ofereceram-me flores, escreveram-me lindas palavras de amizade mas …
Mas amanhã eu já não estarei lá…
Tudo será diferente. Até para eles.
Dizem, sorte a minha, que vou descansar
Mas eu não preciso de descansar para sempre
Porque é que me mandaram embora?
Dizem que trabalhei de mais e que mereço o devido descanso.
Quando morrer terei tempo para descansar
Preciso de viver. Agora mais do que nunca pois vêm-me como uma velha
Eu não sou velha
Grito para que todos ouçam: NÃO ESTOU VELHA! COMPREENDEM?
Levanto o meu rosto novamente em direcção ao espelho.
Agora sim, reconheço que esta sou eu.
Como estou…
A maquilhagem escondia a marca dos anos.
Baixo a intensidade da luz para que não veja a profundidade das imperfeições do rosto.
Hoje, pela primeira vez, olho-me com outros olhos.
Olho para mim como sou.
Eu não sou apenas um rosto envelhecido.
Eu sou um todo!
Um ser completo que tem alma, vivacidade, sentimentos, amor e também um corpo, um rosto, umas mãos envelhecidas
Que com orgulho mostram o que passei, o que vivi, o que percorri na vida para chegar onde estou hoje.
Ergo o meu rosto
Olho-me novamente ao espelho
Desta vez com orgulho dos meus cabelos de raiz branca que deixarei crescer.
Orgulho-me dos meus lábios finos que ainda hoje proclamam palavras de amor.
Orgulho-me dos meus olhos plácidos que conseguem ver a cor da vida.
Não morrerei com pena de mim.
Um dia morrerei numa pele velha
Mas nunca numa velha alma.

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